DISTORÇÕES ACERCA DO CONCEITO DE COMPENSAÇÃO AMBIENTAL

 

Autor: Fábio Breseghello Fernandes

Revisão: Kelly Andreoli e Ricardo Velloso

 

O instituto da compensação ambiental, advindo e regulamentado em âmbito federal pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal n° 6.938/81), que complementou o que disciplina o § 3° do art. 225 da CF, previu uma série de instrumentos (econômicos) para a compensação ambiental, como a concessão florestal, servidão ambiental e o seguro ambiental (art. 9°, incisos IX e XIII Lei Federal n° 6.938/81).

Nessa linha o Código Florestal vigente, Lei Federal n° 12.651/2012, também introduziu instrumentos econômicos dotados da capacidade de compensar/relativizar eventuais danos ambientais suportados pela sociedade, como a Cota de Reserva Ambiental, prevista em seu art. 44.

Ocorre que, cada vez mais temos nos deparado com cobranças promovidas por alguns entes públicos a título de compensação ambiental, como contrapartida ambiental, distorcendo a natureza jurídica do instituto “compensação ambiental”, convertido, ao arrepio de toda a disciplina da tutela ambiental, à mera arrecadação, afastada qualquer intenção protetiva ao meio ambiente.

Aliás, a tutela ambiental passa muito longe da cobrança promovida por esses órgãos, pois etimologicamente, para se compensar algo, é necessário o advento de um dano, devidamente mensurado, ou até mesmo presumido – nesse caso, acompanhado da comprovação científica/técnica acerca do grau de probabilidade da ocorrência do dano para que se fale da aplicação dos princípios da prevenção, precaução e usuário pagador.

E em sentido diametralmente oposto ao praticado por alguns órgãos, a legislação federal busca premiar aqueles que promovem a conservação e recuperação do meio ambiente, através dos ditos “serviços ambientais”.

A Constituição Federal traz como premissa a busca pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, estimulando, inclusive, o fomento pecuniário em prol daquele que promove a sua conservação. Neste sentido, destaca-se a recente Lei Federal n. 14.119/2021, que disciplina a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Este fato evidencia que a cobrança direta de valores a título de compensação ambiental, realizada pelo Poder Público, foge do propósito da tutela pretendida pela Norma Constitucional.

Salutar recordar que a compensação ambiental, nos termos da referida Lei da Política Nacional do Meio Ambiente Lei Federal n° 6.938/81, advém de significativo e comprovado impacto ambiental como disciplinado em seu art. 36[1].

Ou seja, o instituto da compensação ambiental é um instrumento que visa restabelecer o equilíbrio do meio ambiente, prevendo instrumentos eficazes para que se mantenha o nível de conservação do meio ambiente, bem necessário para proporcionar aquilo que o caput do art. 225 CF determina de forma cogente.

Portanto, o intuito não é o de simplesmente arrecadar!

Algumas vezes nota-se cobranças tabeladas, utilizando critérios objetivos como o porte do empreendimento, sua metragem, a natureza da atividade, para aferir a base de cálculo da cobrança, sem que se observe a mínima cautela com a prevenção e a reparação, que obrigatoriamente deveriam vir acompanhadas do necessário estudo acerca do efetivo impacto ambiental.

Não há nada de protetivo nesse tipo de imposição, valendo-se o legislador  do termo “ambiental”, arquétipo dotado de relevante apelo social, para simplesmente realizar uma cobrança pecuniária sui generis, o que em alguns casos, infelizmente, tem sido chancelada pelo Poder Judiciário.

Nesses casos, o ente público não comprova dano ambiental algum, não propõe a preservação e a restauração através dos instrumentos econômicos consagrados, ou seja, a cobrança possui apenas, como já dito, o condão arrecadatório, pecuniário, importando apenas em condicionante antijurídica, gananciosa e ilegal/inconstitucional que freiam o desenvolvimento econômico do país.

O interesse coletivo (bem difuso) privilegia a compensação de um dano ambiental observando preferencialmente a recomposição área degradada, e na sua impossibilidade a recomposição proporcional em outra área degradada, o que importaria, pelo menos, em restabelecer o equilíbrio ambiental.

E por último lugar nesse rol, encontra-se a compensação ambiental pecuniária, visto que esta modalidade não satisfaz o interesse da coletividade consagrado na Constituição Federal (art. 225), materializado no princípio da solidariedade intergeracional, razão pela qual, na remota hipótese da sua aplicação, exige-se que seja diretamente direcionado a fundos relacionados com os interesses difusos e coletivos, como já mencionado, única forma que a pecúnia poderia de alguma forma vir a compensar a ofensa a esse direto transgeracional.

Logo, o órgão Público ao instituir, de forma distorcida, sui generis e teratológica, a cobrança que incorretamente intitula como “compensação ambiental” viola o direito de toda a coletividade, visto que a cobrança, que por um lado reveste-se da intenção de vilipendiar o patrimônio daqueles que deliberadamente classifica como poluidor/degradador ambiental, por outro lado, e de forma mais irresponsável,  se apropria da indenização que não lhe cabe, abrindo mão da recomposição ambiental ao não direcionar integralmente a receita para o fomento dos interesses coletivos, vocação constitucional da indenização, a desviando para os cofres públicos.

Trata-se, em verdade, apenas de pano de fundo para um verdadeiro confisco.

E seguindo essa orientação legal e Constitucional, a Lei Federal n° 13.874/2019, que busca resguardar a liberdade econômica, prevendo situações em que os órgãos públicos, de maneira abusiva, vêm, de forma recorrente, impondo barreiras que atravancam o desenvolvimento econômico no País, tal qual o caso em discussão, prescreveu limite a atuação dos entes públicos, dentre o qual se enquadra a situação em discussão, nos termos do inciso XI, alíneas “c” e ‘e” de seu art. 3°[2].

Assim, conclui-se que tal prática não se adequa a legislação pátria, especialmente no âmbito da coletividade, que além de não obter nenhum benefício referente a preservação/conservação do meio ambiente, é novamente afrontada com o encarecimento dos serviços e produtos objetos dessa cobrança imotivada, o que acaba por encarecer a operação, custo que, ao final, é repassado à toda coletividade.

Ou seja, por qualquer das perspectivas que se analise a cobrança, ela não se sustenta, pois inconstitucional, ilegal, fiscalizatória, ludibriante e o pior, irresponsável ao se valer de um nobre conceito de relevante interesse para toda a humanidade (a preservação do meio ambiente), como subterfúgio para constituir receita de forma indevida.

[1] Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.

[2] Art. 3º. São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

XI – não ser exigida medida ou prestação compensatória ou mitigatória ABUSIVA, em sede de estudos de impacto ou outras liberações de atividade econômica no direito urbanístico, entendida como aquela que:

  1. c) utilize-se do particular para realizar execuções que compensem impactos que existiriam independentemente do empreendimento ou da atividade econômica solicitada;
  2. e) mostre-se sem razoabilidade ou desproporcional, inclusive utilizada como meio de coação ou intimidação;